15 junho, 2006

Como os estudos e a informação sobre o processo de encerramento das maternidades são escassos, procuraremos ir publicando, o que for encontrado, para reflexão sobre esta problemática.

Aqui fica o primeiro...


"Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública analisa, ao longo de cinco anos, indicadores das 50 maternidades do país. As conclusões mostram que os que trabalham em piores condições não são os que prestam piores cuidados, tendo em conta a mortalidade e as complicações registadas.”


É assim que o Diário de Notícias de 11 de Maio, inicia a divulgação deste estudo. É um estudo arrasador para a credibilidade do Relatório da Comissão Nacional para a Saúde da Mulher e da Criança, onde o ministro foi buscar a “fundamentação técnica” para a decisão de encerrar maternidades. E foi patético assistir pela televisão à conferência de imprensa destes senhores procurando justificar o injustificável.Do ponto de vista científico este relatório não resistia ao mais simples escrutínio metodológico, porque, dizia-mos então “não quantifica o número de incidentes críticos que aconteceram em determinado período, nem se esses incidentes críticos aconteceram nas 10% de maternidades que não tem as condições agora exigidas, ou nas 80% que as possuem.” A publicação da média de cinco anos (2002- 2004) desses incidentes críticos, “complicações do parto e mortalidade materna e do recém-nascido” vem agora dar razão aquilo que escrevemos. Do ponto de vista técnico é absurdo porque, a ser seguido à risca, obrigava ao encerramento das maternidades autónomas por falta de apoio de cirurgia geralEntendamo-nos. A ordenação que resulta da análise da Escola Nacional de Saúde Pública não permite concluir uma classificação que hierarquiza a qualidade dos cuidados em cada uma das cinquenta maternidades em análise. E porquê? Porque Portugal, em função do trabalho destas cinquenta maternidades é hoje o quarto país do ranking mundial da Saúde Materno Infantil. Por isso estamos a falar de números tão baixos (morte materna zero) que uma qualquer circunstância conjuntural altera profundamente estes dados. E porque, como as boas práticas mandam, há desvios dos casos mais graves para maternidades com outros meios. Mas, em relação a este segundo ponto, há que ter em atenção as profundas discrepâncias na ordenação dessas maternidades inviabiliza essa explicação como explicação geral.Mas entendamos também, que esta ordenação não permite, que a Comissão Nacional para a Saúde da Mulher e da Criança, e o Ministro tirem a conclusão de que são especificamente estas onze maternidades que não garantem a segurança e a qualidade do parto, pondo em causa as capacidades e competências de quem nelas trabalha.Uma coisa é certa. O Ministro até pode conseguir encerrar as maternidades em causa. Mas já não pode justificar esse encerramento com um imperativo de segurança e qualidade para a mãe e o recém-nascido, proveniente de um relatório técnica e cientificamente desautorizado. E temos a certeza de que o Prof. Correia de Campos chumbaria o ministro Correia de Campos, se numa qualquer actividade académica, este se atrevesse a apresentar e justificar este trabalho.Na conferência de imprensa ficou claro que a Comissão Nacional para a Saúde da Mulher e da Criança não tem (nem podia ter) dados diferentes destes. O que aliás se comprova no artigo publicado pelo ministro a 14 deste mês, no Jornal de Notícias, em que faz uma análise mais fina. Depois de reconhecer que “Portugal, entre 1990 e 2004 reduziu a mortalidade infantil de 10,9 para 3,9 óbitos por mil nados vivos” reconhece que “o panorama já não é o mesmo na mortalidade perinatal que ocorre entre a 28ª semana de gestação (mais ou menos o sétimo mês de gravidez) e o sétimo dia de vida”, onde no mesmo período baixamos “de 12,4 (1200 óbitos) para 4,6 (500 óbitos) por mil nados vivos situando-nos em quarto lugar a contar do fim na União Europeia a Quinze". E o ministro pergunta porquê e responde que, "191 óbitos ocorreram durante a primeira semana de vida, mas 309 ocorreram entre a 28ª semana de gestação e o momento do nascimento, ou seja, é aí, nesse segmento que temos que intervir, podendo evitar 150 mortes”. Acontece que o sr. Ministro, mais uma vez, não nos diz onde aconteceram essas 150 mortes “evitáveis”, e mesmo descontando a “desnatação” os quadros publicados no DN mostram que não são especificamente estas maternidades as responsáveis por essa situação.Aliás, no mesmo artigo o sr. Ministro sabe que esta situação não pode ser assacada ás maternidades em geral. O problema é a falta de acompanhamento. E não a falta de acompanhamento desde a 28ª semana mas desde a planificação da gravidez. Assim em Portugal, num universo de dois milhões e trezentas mil mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 45 anos (idade fértil) apenas 540 mil tem consultas de Planeamento Familiar, o que traz consequências indesejáveis ao nível das práticas contraceptivas, da gravidez planeada, da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, e da prevenção e diagnóstico precoce de outras doenças com impacto na maternidade. O sr. Ministro sabe que 30% das grávidas não passam pelos Centros de Saúde, não tendo assim acesso a exames de controlo da gravidez; 30% não fazem consultas de revisão do puerpério; que ficam por fazer nos Centros de Saúde 45% das consultas de saúde infantil nos primeiros 12 meses de vida que as boas práticas aconselham; e que a percentagem de crianças com menos de 6 anos que beneficiaram de pelo menos 24 meses de aleitação materna é de 29%.E o sr. Ministro também sabe que esta medida, vai dificultar ainda mais o acesso das grávidas aos cuidados de saúde. Mas que dizer ainda desta magnífica atitude da Associação Nacional de Hospitalização Privada “que já fez propostas ao governo que garantem que se continuem a realizar partos em algumas das cidades ameaçadas com o fecho de maternidades publicas”, tendo já proposto ao governo “uma parceria mais efectiva na área da ginecologia – obstetrícia”. E o respectivo presidente, Teófilo Ribeiro Leite, interrogado sobre se as condições impostas pelo ministro eram impostas ás maternidades privadas diz que “cumprimos as regras que nos são impostas em termos de hospitalização em geral.” Por mim continuo a achar que, a douta comissão e os doutos apoiantes tem para com os conceitos técnicos e científicos uma maleabilidade que não está de acordo com a sua tão apregoada formação académica. Por isso não hesitamos em considerar o Relatório da Comissão para a Saúde da Mulher e da Criança como uma habilidade política mal disfarçada.

Nelson Fernandes, in Clube Privado

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